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Câncer e menopausa precoce: o tabu que muda a vida de milhares de mulheres

  • Foto do escritor: Fabio Sanches
    Fabio Sanches
  • há 2 dias
  • 5 min de leitura
Muitas mulheres jovens, às vezes entre 30 e 40 anos, entram na menopausa de forma abrupta e sem aviso
Muitas mulheres jovens, às vezes entre 30 e 40 anos, entram na menopausa de forma abrupta e sem aviso

A maioria das mulheres acredita que a menopausa acontece apenas por volta dos 50 anos. Nesse momento, geralmente já criaram seus filhos (se quiseram tê-los), têm uma carreira mais estabelecida e uma vida mais estável. A menopausa, nesse contexto, pode ser uma transição mais natural, mesmo com os sintomas e desafios que ela traz. Mas, para quem passou por um tratamento de câncer, essa história pode ser bem diferente.


Muitas mulheres jovens, às vezes entre 30 e 40 anos, entram na menopausa de forma abrupta e sem aviso, como consequência do tratamento oncológico. E, infelizmente, esse assunto ainda é pouco discutido nos consultórios e na sociedade. Fala-se muito sobre vencer o câncer, com razão, mas quase nada sobre o que acontece depois: as mudanças no corpo, na fertilidade, nos hormônios, na sexualidade e na autoestima. É uma espécie de “luto” invisível, vivido em silêncio por milhares de mulheres.


Como o tratamento do câncer mexe com hormônios e fertilidade

Os tratamentos contra o câncer têm como objetivo eliminar as células tumorais, mas também podem afetar tecidos saudáveis, como os ovários e o útero. O impacto sobre a fertilidade e os hormônios depende do tipo de câncer, da idade da paciente e das terapias utilizadas.


A quimioterapia, especialmente com agentes alquilantes, como a ciclofosfamida, um dos principais medicamentos usados no tratamento do câncer de mama, pode causar dano direto aos ovários, prejudicando a reserva ovariana e interrompendo a produção de estrogênio e progesterona. Isso pode levar à menopausa precoce.


A radioterapia na pelve, usada no tratamento de tumores do colo do útero, por exemplo, também pode comprometer os ovários quando aplicada diretamente na região pélvica ou em áreas próximas. Mesmo em doses moderadas, pode danificar permanentemente o tecido ovariano, dependendo da idade da mulher e da dose acumulada. Além disso, a radiação pode afetar o útero, comprometendo futuras gestações, mesmo que a função ovariana seja preservada.


Em casos de câncer ginecológico, como tumores de ovário, endométrio ou colo do útero, pode ser necessário realizar cirurgias que envolvem a retirada dos ovários e/ou do útero. Nesses casos, a menopausa é imediata e irreversível. O corpo, de um dia para o outro, deixa de produzir os hormônios sexuais femininos.


Em alguns casos, mesmo mulheres com câncer de mama, principalmente com tumores sensíveis a hormônios, recebem medicamentos que “desligam” a função dos ovários como parte do tratamento. O uso de remédios que bloqueiam os ovários, como leuprorrelina, gosserrelina e triptorrelina, é comum para reduzir o estrogênio. Isso pode causar sintomas semelhantes aos da menopausa, como ondas de calor e ressecamento vaginal, mesmo que a mulher ainda tenha os ovários. Além disso, também é frequente a associação com terapia hormonal usando medicamentos como o tamoxifeno ou inibidores da aromatase (letrozol, anastrozol e exemestano), que também reduzem a ação do estrogênio nas células.


Menopausa precoce: sintomas físicos e feridas emocionais

A menopausa precoce causada pelo tratamento do câncer pode ser mais intensa e abrupta do que a menopausa natural. Isso acontece porque o corpo não tem tempo de se adaptar gradualmente à queda dos hormônios.


Os sintomas físicos mais comuns incluem:

  • Ondas de calor e sudorese noturna

  • Ressecamento vaginal e dor durante a relação sexual

  • Insônia e alterações do sono

  • Diminuição da libido

  • Dores articulares

  • Ganho de peso e alteração da composição corporal

  • Queda de cabelo e ressecamento da pele

  • Perda óssea acelerada e maior risco cardiovascular


Mas os sintomas emocionais e psicossociais são igualmente importantes e muitas vezes negligenciados:

  • Tristeza e sentimentos de luto pelo fim da fertilidade

  • Medo de perder a feminilidade

  • Vergonha de conversar sobre sexualidade

  • Ansiedade em relação ao futuro e aos relacionamentos

  • Sensação de isolamento e de que “ninguém entende” o que está acontecendo

  • Muitas mulheres relatam se sentir “envelhecidas antes do tempo”. Para quem ainda não teve filhos e deseja ser mãe, a dor do luto reprodutivo pode ser profunda e contínua. Em alguns casos, a infertilidade se torna mais difícil de lidar do que o próprio diagnóstico de câncer.


O silêncio dos consultórios e a importância da escuta multidisciplinar

Por falta de tempo, preparo ou sensibilidade, muitos profissionais de saúde acabam não abrindo espaço para que essas questões sejam abordadas. O foco principal costuma ser a remissão da doença, algo absolutamente necessário, mas isso não deveria excluir o cuidado com a qualidade de vida e com o bem-estar da mulher.


É por isso que a escuta multidisciplinar é tão essencial. Médicos oncologistas, ginecologistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e profissionais de cuidados paliativos podem (e devem) atuar juntos para oferecer acolhimento e soluções práticas para os sintomas físicos e emocionais da menopausa provocada pelo tratamento.


Esse cuidado envolve mais do que prescrever medicamentos. É ouvir a história da paciente, validar suas emoções, orientar sobre a sexualidade, discutir fertilidade futura (quando possível), explicar opções de tratamento e acompanhar de forma contínua.


Reposição hormonal segura: é possível?

A terapia de reposição hormonal pode ser uma aliada importante para reduzir os sintomas da menopausa precoce. No entanto, seu uso deve ser cuidadosamente avaliado caso a caso. Mulheres com histórico de câncer hormônio-dependente (como alguns tipos de câncer de mama e de endométrio) geralmente não devem usar estrogênio. Ainda assim, existem alternativas seguras, como o uso local de estrogênio vaginal em doses baixas, que pode melhorar muito a qualidade de vida sem aumentar o risco de recidiva em situações selecionadas.


Em mulheres sem contraindicações, a reposição hormonal, feita de forma personalizada e com acompanhamento regular, pode prevenir complicações como osteoporose e doenças cardiovasculares, além de melhorar sono, libido e disposição.


Medicina integrativa: quando o cuidado vai além da prescrição

A medicina integrativa olha para o ser humano como um todo. Ela combina os melhores recursos da medicina convencional com práticas complementares baseadas em evidências. Isso inclui:

  • Acupuntura, que pode ajudar a reduzir ondas de calor e dores

  • Meditação e mindfulness, que auxiliam no controle da ansiedade

  • Exercícios físicos adaptados, que melhoram o humor, a energia e a saúde óssea

  • Fitoterapia segura, quando bem orientada

  • Terapias corporais e artísticas, que favorecem a reconexão com o próprio corpo


Essas práticas não substituem o tratamento oncológico tradicional, mas complementam e ampliam as possibilidades de cuidado, trazendo mais conforto e qualidade de vida às mulheres em todas as fases do tratamento e da vida após o câncer.


Conclusão

A menopausa provocada pelo câncer não é apenas uma mudança hormonal: é uma ruptura que afeta o corpo, o emocional, os sonhos e a identidade de muitas mulheres. É urgente trazer esse tema para a luz, romper o tabu, abrir espaço para o diálogo e garantir que cada mulher seja acolhida com empatia. Falar sobre isso é oferecer dignidade. É dizer, com todas as letras: você não está sozinha, e sua saúde vai muito além de uma doença.


Dra. Larissa Müller Gomes – CRM/SP 180158 | RQE 78497

Oncologista Clínica

Membro Brazil Health


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